quinta-feira, 16 de abril de 2009

O fim do mundo é um paraíso


Alter do Chão, o caribe amazônico, deveria fazer parte da cesta básico de todo viajante.

Loja Fim do Mundo, em Santarém, PA.

Eu fui ao fim do mundo. E adorei. Há duas semanas, estive em Santarém. Cerca de uma hora de voo, partindo de Belém. O Pará é surpreendente e tem dimensões de um país. Santarém fica no oeste do estado, em direção ao Amazonas. É longe. Isolado. O acesso é aéreo ou fluvial (dois dias de Manaus, três de Belém).
A cidade é quente e muito úmida, como todos os lugares por aqui, mas destaca-se por ter uma orla muito bonita e movimentada, banhada pelo Rio Tapajós, de águas escuras. De dia, um movimentado porto, de embarcações de todos os tamnhos, inclusive grandes navios. De noite, há alguns bares, pessoas se exercitando no calcadão, casais namorando e famílias passeando. Clima tranquilo e acolhedor.
Embora a cidade seja muito bonita, um pequeno distrito, disto 30 minutos do centro de Santarém, encanta por sua exuberante beleza. Alter do Chão é um verdadeiro paraíso. Quando desci do ônibus na pequena vila, vi querubins sobrevoando a praça central e ninfas correndo pela mata. Paixão a primeira vista. O lugar é sensacional. Quase indescritível, porque é muito difícil explicar as sensações que se tem em Alter do Chão. Tranquilidade, euforia, satisfação, encantamento, embriaguez. É tão belo que chega a doer. É tão agradável que chega a incomodar.

Na praça central, já citada aí em cima, tem um comércio de barraquinhas com artesanato e comidas típicas. Mais alguns metros e se está nas margens de um enorme rio. Lá, uma dezena de barqueiros está preparada para remar até o paraíso. Nossa travessia foi feita por seu Ivan, 64 anos, que remou com quatro homens no barco por 15 minutos sem parar um segundo sequer para descansar. Inveja do seu Ivan. Seu Ivan é um barqueiro sinistro
Como a época é de cheia, o rio encobre a maioria das ilhotas do Tapajós. Bancos de areia que a natureza entregou para o homem explorar da maneira mais sábia possível: com quiosques que vendem peixe e cerveja. Delícia total.
Passei praticamente o dia inteiro nessa ilhota. Comi tucunaré e pirarucu. Bebi uma dúzia de cerveja. Dormi algumas horas na rede. Banhei-me nas águas quentes do Tapajós, que de tão grande, parece um marzão. Eu nunca tinha tomado banho de rio e a sensação é ótima. Não tem o sal cortante do oceano, tampouco suas ondas ameaçadoras. Como estava numa espécie de baía, também não havia correnteza. Praticamente um piscinão. Não o de Ramos, claro.
Não há energia elétrica nas ilhotas, nem acesso de carro. Por isso nem as aparelhagens ambulantes, típicas daqui, conseguiram acabar com minha paz. Não tinha vontade de voltar. De deixar aquele lugar. Sentimento partilhado por Pasquale.

cenas cotidianas
Pasquale foi o garçom que nos atendeu. Sua pele branca como neve, seus olhos azuis como o céu e o sotaque cheio de biquinhos não deixava dúvidas: ele era francês. Estivera em Alter a passeio. Conheceu uma índia. Se apaixonou pela beleza da morena e do lugar. Levou-a para Paris na esperança de viver no velho continente as sensações tropicais do fim do mundo. Perda de tempo. Pasquale era engenheiro eletrônico de uma empresa de aviação. Há um ano ele é garçom do paraíso. Casou-se com a índia que é cozinheira do quiosque onde trabalham.
Correndo de uma lado para o outro e equilibrando bandejas sobre as areias quentes de Alter do Chão, Pasquale é feliz. “Todo mundo me conhece por aqui. Geralmente os gringos que vêm pra cá são donos de pousada, de restaurantes. Eu não. Sou apenas um garçom”, diz o francês, com a serenidade de quem tem o melhor emprego do mundo. Viverá 120 anos. O entardecer vai chegando e as cenas cotidianas daquele lugar são obras de arte para quem tem uma câmera fotográfica na mão. Os meninos brincando na beira do Rio, os pescadores recolhendo as redes, as cozinheiras lavando as panelas e eu contemplando tudo como se estivesse num sonho bom.
É preciso deixar a ilhota. Voltar para a realidade. Abandonar o paraíso. Como um soldado que parte para cumprir sua obrigação e deixa sua amada para trás, olho para Alter do Chão com ternura e saudade, e prometo que, se sobreviver à guerra, voltarei para repousar em seus braços. O mais breve possível.
Tipo, lindo
A vida que pedi a Deus

Inúmeros barqueiros fazem a traveia do continente até o paraíso

Fomos de Naiara, o simpático barquinho do seu Ivan

Quiosques submersos pela cheia do rio

Nenhum comentário: