Jota Ninos
Quando estiver sendo diplomada e empossada, em pleno Dia dos Namorados, Maria do Carmo Martins Lima completará mais um capítulo de uma história feita de amor e sofrimento com seu eleitorado/namorado. Uma reeleição quase tirada à fórceps das togas de Brasília. Há mais de 160 dias longe da prefeitura que comandou até o final do ano passado, a Fênix da Pérola terá que meter o pé na lama das enchentes que praticamente destruíram a sua “Cidade da Gente”.
Erguerá as mãos aos céus agradecendo a Justiça, tanto a que a deixou longe do poder – e a transformou em mártir, evitando que o peso da catástrofe das enchentes fosse debitada em sua cota – quanto a que a trouxe de volta nos braços do povo. Maria não perdeu mais que os milhares de habitantes desta cidade, que foram obrigados a viver o desencanto de uma eleição mal resolvida e quase chafurdaram na lama. Não fosse a campanha do São Raimundo, o amor-próprio tapajônico teria sido sepultado definitivamente.
Na verdade, apesar do sofrimento, a filha de Everaldo Martins pode-se dizer uma mulher de sorte. Se tivesse assumido a prefeitura em 1º de janeiro, certamente a situação não seria diferente do que foi com seu fiel escudeiro (seu “caseiro” na prefeitura), José Maria Tapajós. A cidade estaria destruída do mesmo jeito e ela seria amaldiçoada até pelo mais renitente petista.
À aura de mártir, junta-se a imagem da redentora, da mulher guerreira que enfrentou o Príncipe do Demo e que agora vai “nos redimir”, como faria Geni, de Chico Buarque. Mas sem o apoio financeiro do “tio” Lula e da “prima” Ana Júlia, pouco ou nada poderá ser feito, a não ser a retórica que, provavelmente, sairá de sua boca tresloucada de alegria: “Paciência meu povo, preciso de pelo menos seis meses para limpar a sujeira!”. Pelo menos, não deverá mais culpar o “governo passado” pela situação. A não ser que queira dar um tiro no pé…
Em meio ao charco da Pérola, Maria Fênix tem um grave problema de saúde a resolver: um dos seus ex-secretários ainda não explicou, convincentemente, a questão da Cooperativa de Médicos e altos salários para profissionais de medicina importados, enquanto especialistas locais mendigam aumentos.
O redemoinho do escândalo não só atinge o ex-secretário, Emanuel Silva, como o atual e vice de Maria, José Antonio Rocha. É bem verdade que há quem critique médicos locais por terem alguma culpa na situação atual. Fontes da prefeitura me dizem que houve mais ingenuidade do que dolo na mal sucedida ação encabeçada por Emanuel. Para sorte de Maria, sua maioria na Câmara impede a criação de uma CPI cipoalense, ao gosto do derrotado Lira Maia que um expert em escândalos financeiros.
A grande incógnita é: Maria retomará os projetos do segundo governo traçados poucos dias depois da acachapante vitória do ano passado? Não falo aqui das novas unidades administrativas para abrigar cristãos-novos, como o ex-deputado Hilário Coimbra. Falo de um dos mais ousados planos que era a possibilidade de uma retirada estratégica do primeiro-irmão, pararraio de todos os ódios entre amigos e inimigos do governo, Everaldo Martins Filho, que teria destino certo de um posto em Belém no combalido governo Ana Júlia, para dar lugar à sua esposa, Socorro Pena, que tem mais desenvoltura nos bastidores locais do que na burocracia da Sepaq – Secretaria Estadual de Aqüicultura e Pesca, por ela administrada.
Tal troca – se é que isso não era balão de ensaio de fim-de-campanha – perderia em qualidade de raciocino estratégico, mas ganharia em simpatia e competência no trato com os correligionários. O problema é que o hiato imposto pelos tribunais acabou ajudando Everaldinho a reforçar sua retaguarda, principalmente quando deu um trança-pé no aliado-mor, Antonio Rocha, ao trocar seu filho pelo fiel escudeiro Inácio Corrêa numa das eleições que acabou não acontecendo.
Entre mortos e feridos, todos se salvaram. Mas uns foram mais vitoriosos e outros mais derrotados. Logo abaixo tento delinear os vencedores e os vencidos, de fato, segundo minha ótica:
Everaldo Martins Filho (secretário, todo-poderoso, de Planejamento) – tem sido sempre um vencedor, pois sem ele o Projeto Maria não existiria. Mas o desgaste em família já era notado nos bastidores da campanha e a própria prefeita queria “dar um tempo” e evitar um fratricídio político. Dificilmente sairá agora, até porque não teria aonde ir (o governo de Ana Júlia é só frangalhos). Pode ser importante para a nova batalha, com novo contexto, que será a eleição do próximo ano, onde pode querer reeleger o irmão Carlos Martins ou pensar em novos voos. O que ele tem de tutano nenhum tucano tem. Não fosse a megalomania temperada de arrogância…
Socorro Pena (secretária estadual de Aqüicultura e Pesca) – a primeira-cunhada tem cheiro de povo, apesar de frequentar mais colunas sociais do que no tempo em que era pupila do padre Edilberto Sena. Sabe tratar a imprensa como ninguém, conversa com aliados e adversários no mesmo tom cortês e é pau-pra-toda-obra. Acompanhou o calvário de Maria nos bastidores do STF, assim como atuou na campanha: de forma discreta e sempre com firmeza. Não consigo vê-la sem um importante cargo no projeto Maria II.
Inácio Corrêa (secretário municipal de Governo) – Nem ganhou, nem perdeu. Manteve-se na sua postura mediana de ser um anteparo de atritos maiores entre Everaldo e os outros. Cordato e mais sensato que seu líder, Inácio é uma espécie de “fio-terra” da UL - Unidade da Luta (tendência do grupo de Maria dentro do PT, comandada pelo deputado Paulo Rocha) em Santarém. A diferença entre ele e Socorro é que ela tem mais personalidade do que ele, no trato das coisas petistas. Inácio não funciona sem Everaldo por perto, ao contrário de Socorro que é capaz até de bater de frente com o marido.
Osmando Figueiredo (secretário municipal de Agricultura) – sem dúvida é um dos grandes vencedores nessa contenda. Com sua desenvoltura nos bastidores, colocou à disposição do grupo sua capacidade de articular, abrindo “sacos de maldades” (sua especialidade), mantendo nichos jornalísticos e cultivando até um alter-ego colunista-blogueiro que anda espalhando muita brasa, ou ainda, aglutinando os partidos satélites do PT quando necessário. Foi assim quando liderou o motim à candidatura de Antonio Rocha pelo PMDB. Como recompensa, já prepara o filho vereador (Bruno Pará) para altos voos, tirando-o do cenário legislativo-mirim (que em nada contribui para seus planos de galgar posições) para um cargo no Executivo, onde ganhará maior visibilidade e aumentará seu cacife político. Osmando só não tratou de agricultura, viajando constantemente na ponte aérea Santarém/Brasília, solidário com a via-crucis mariana. Mas apesar disso plantou discórdias para alguns desafetos como o vice-governador Odair Corrêa e o ex-aliado Helenilson Pontes. O sisudo paraibano anda muito pimpão com sua performance…
Erasmo Maia (vereador do DEM) – o sobrinho preferido de Lira Maia e seu possível sucessor na política, sofreu algum desgaste da celeuma dos tribunais. Tentou se esquivar dizendo que ele apenas deu início à ação, mas como os Democratas não sabem fazer oposição (um partido nascido com a ditadura que só tem metido as mãos pelos pés em nível nacional), ficou no “já vou já”. Com o retorno de Maria vai ter a oportunidade de ter um inimigo com rosto, já que não conseguia ir à briga com José Maria Tapajós, um antigo aliado e que está sempre disposto a mudar de lado. Mas à medida que o tio for afundando em processos de corrupção ele afundará junto e, como ocorre em todo o Brasil, seu partido, o DEM vai diminuir até, quem sabe, sumir um dia. A tendência será continuar vivendo como um parasita do PSDB de Alexandre, tarefa da qual há anos o partido vem se incumbindo. Mas Alex, vem renovando seus aliados, daí…
Nélio Aguiar (vereador do PMN) – Sem dúvida o maior derrotado de todos. A postura titubeante do simpático médico, mais conhecido por liderar as festas do clube nordestino (Comercial Atlético Cearense) que preside, pode ser o início do fim de uma carreira que seria brilhante na política. Em menos de um ano, acompanhando seu guru político, abandonou o partido que assumiu (o PSB), mantendo-o como seu satélite e trouxe uma nova e inexpressiva sigla nacional que nem de longe se compara com o histórico dos socialistas. Além disso, de opositor à Maria no início de 2008 (deixando a secretaria de saúde, sob tiroteio), voltou a aliado na campanha contrariando aqueles que o viam como terceira via, e depois da cassação dela virou a casaca de novo. Na presidência da Câmara, nem de longe mostrou a serenidade e a experiência de José Maria Tapajós. Com a volta deste à mesa, se recolherá ao limbo do qual nunca deveria ter saído.
Helenilson Pontes (advogado tributarista) – com um discurso de coisa nova seduziu corações e mentes dos órfãos de Alexandre Von, tido como um dos técnicos brilhantes que afundou na sombra de Lira Maia. Sua performance nas eleições de 2006, quando ficou como suplente de deputado federal do PPS (numa coligação com o PDT, de Osmando) dava sinais de que seria um fenômeno. Ledo engano. Durante o governo de Maria disparou contra ela e contra Maia, antecipando uma terceira via política. De repente, largou tudo e foi para o PMDB, embevecido pelo canto da sereia barbalhiana… E ao chegar a campanha, optou por Maria, não só por questões partidárias mas, talvez, numa tentativa de apostar no “menos ruim” para as suas pretensões de futuro. Só que com a cassação do registro dela, traiu o próprio partido ao tentar bombardear a candidatura de Rocha, e acabou nos braços de Lira Maia, levando seu pupilo e seguidor Nélio Aguiar pro mesmo buraco. Agora resolve atacar o Giovanni Queiroz por assinar um documento apenas para discutir a reeleição de Lula e vai se defrontar com um dos inimigos mais rasteiros que pode haver para as suas pretensões: Osmando Figueiredo. Pior que isso, só se ele voltar a elogiar Maria, o que não é difícil acontecer para um político tão titubeante…
José Maria Tapajós (vereador, presidente da Câmara, prefeito interino, campeão de mandatos…) – Sem dúvida o maior vencedor desse imbróglio, depois de Maria. Conduziu a Prefeitura com serenidade, apesar de não poder fazer mais que isso. Soube contornar as confusões que Everaldinho tentou criar (principalmente na greve dos professores municipais) e conseguiu até sair ileso da denúncia de que uma empresa de seus filhos é beneficiada no governo. Pavimentou seu caminho para um sonho que já acalenta há alguns anos: ser deputado estadual. Voltará à Câmara sem ter arranhado sua biografia, apesar da enchente. E sairá de fininho, passando o escândalo da Semsa para o colo de Maria. Esse nasceu de quina prá lua…
Alexandre Von (deputado estadual do PSDB) - Não ganhou nem perdeu, mas pelo menos não afundou de vez, como vai acontecer com seu velho parceiro Lira Maia. Vem tentando oxigenar suas bases com os “new verdes”, liderados por seu velho escudeiro Podalyro Neto, no PV local. Foi sem dúvida o que mais gostou do resultado de Maria no STF. Participar de uma eleição no meio do ano poderia ser um desastre – caso perdesse. Só que deve deixar de ser ingênuo e assumir as rédeas de seu grupo, limando figuras impolutas como José Maria Lima, o advogado que conseguiu a façanha de indispô-lo com toda a torcida do São Raimundo (única coisa que deu certo nessa cidade nos últimos tempos), quando questionou o aporte financeiro da Prefeitura ao time no campeonato paraense. Alexandre ainda é um boa praça. Quando despertar do pesadelo Lira Maia, talvez seja perdoado por aqueles que apostaram nele, no passado. E pode ser uma boa aposta no futuro, para tentar vencer petistas e peemedebistas.
Antonio Rocha (deputado estadual do PMDB) – saiu menor desse imbróglio e se não conseguir um bom resultado na próxima campanha, periga perder sua influência de quase duas décadas no PMDB local. Para sua sorte, os Corrêa e Helenilson Ponte, não representam tanto perigo. Mas como sua máquina é movimentada pela estrutura de governo, deve torcer para que o ensaio de racha total com o PT, de seu líder Priante/Jader, seja apenas farofa. Mesmo assim, tem cacife financeiro para passar mais essa tempestade, já que em outras ocasiões, à revelia do PMDB, flertou com Almir Gabriel (PSDB) sem arranhar sua liderança. Afinal, Jader sabe que Rocha é um dos poucos correligionários que ao invés de pedir dinheiro, abre o cofre para a sobrevivência de seu partido.
Odair Corrêa (vice-governador do PDT) – toda ópera bufa, como o caso Maria, tem que ter seu bobo da corte. Ninguém melhor que o nosso (?) vice-governador representou esse papel. Aliás, independente do imbróglio de Maria, Odair sempre foi um fiasco. Sem liderança política, sem partido, sem personalidade, não soube aproveitar a chance de ser o primeiro vice-governador do interior e mudar a sina dos vices malucos que o Pará costuma produzir (vide Carlos Santos, Helinho Gueiros…). Odair nem sequer mostrou alguma posição durante todo o calvário mariano. Preferiu continuar posando de grande liderança, com discursos imbecis e promessas vãs como terminar a obra do Barbalhão (ápice de insanidade megalômana), de olho numa vaga na Câmara Federal. Odair é um perfeito bufão, tal qual um Brancaleone (tão bem interpretado por Vittorio Gassman, no filme de Mário Monicelli) com seu exército de seguranças. Mas para o bem do futuro Estado do Tapajós, no próximo ano ele será apenas um retrato na parede. E como doeu…
Pedro Peloso (ex-vereador do PT) – sumido de Santarém no governo Maria, ressurgiu no período do imbróglio pós-cassação de Maria e foi – para quem não sabe – o articulador que defendeu o nome de José Antonio Rocha no lugar do pai, para a 1ª disputa marcada para fevereiro. Conseguiu pontos contra Everaldo dentro do PT, com o qual mantém um constante duelo pela hegemonia partidária em Santarém. Representando a tendência Articulação Socialista (AS), ensaiou um enquadramento em Everaldo, mas na segunda eleição pós-cassação prevista, viu seus planos irem por água abaixo quando Everaldo impôs Inácio no lugar de José Antonio. Depois disso sumiu. Peloso é como uma onda, vai e volta dentro do PT, mas tem mais perdido do que ganhado ultimamente. Entretanto não pode ser esquecido, por sua condição de petista histórico que a qualquer momento pode ressurgir. E não duvidem que isso aconteça no “regoverno” de Maria…
Milton Peloso (ex-quase-vice e ex-quase-vereador do PT) – tirando o violão e as batidas de limão, o esposo da secretária de Finanças, Rosilane Evagelista, não significou nada para o partido. Depois que deixou de ser um quase-vice se isolou em sua insignificância. Porém, Everaldo não vai querer perdê-lo, depois que o seduziu e o tirou da família Peloso (cooptação é a maior especialidade do todo-poderoso). Milton tem vaga certa em qualquer cargo de “aspone”. Mesmo que seja uma Ouvidoria mouca…
Lira Maia (deputado federal do DEM) – duas derrotas seguidas para Maria (uma na urna, outra no tapetão) devem mexer com os brios do sempre gabola ex-prefeito. Agora virá a turbulência dos processos e a necessidade de se reeleger. Seu desespero é tão grande que chegou a desautorizar publicamente um de seus maiores aliados, por causa de notícias contra o presidente de seu partido no Pará, o deputa Vic Pires Franco. Maia ensaiou uma rebelião no DEM, mas quando percebeu que sairia enfraquecido preferiu desmentir a fonte do boato, um dos poucos jornalistas que ainda acreditavam nele. Mas tudo pode ter sido apenas outro balão de ensaio. Como já disse outras vezes, Lira Maia é sempre uma cobra-de-vidro, aquele lagarto nordestino que mesmo depois de perder seus membros se regenera e volta a andar. Algo como uma eterna Fênix do sertão… Todo cuidado é pouco, o Mutirão pode não ter sido apenas um pesadelo que se foi, mas um pesadelo recorrente que ainda nos assombrará, como um Freddy Kruger do Cipoal…
Finalizando, não poderia de deixar de lado a Maria Fênix do Carmo. Como disse anteriormente, de vitoriosa a destronada, volta reconduzida e com uma responsabilidade ainda maior: carregar duas mulheres pesadas no ombro: Ana Júlia, na reeleição em Belém e Dilma Roussef, a preferida de Lula. Se souber cobrar dos dois, poderá fazer história e influenciar mais na política paraense. Além disso, vai querer um espaço maior para o irmão menos problemático, o gente-boa Carlos “Lito” Martins. Cotado para ser seu sucessor na prefeitura, pode ter que refazer a estratégia, já que dificilmente a irmã deixará, agora, o cargo na metade para concorrer a uma vaga federal (plano que chegou a ser pensado logo depois da vitória em outubro) e criar as condições para este suceder-lhe. Mas Fênix Maria está com a faca e o queijo na mão para ser uma liderança regional e repensar seus planos (ou deixar que Everaldo repense). Mas há muitos obstáculos a transpor pela, agora, sorridente Maria. E como diria a personagem de comédia televisiva Lady Kate: “só me falta-me gramour…
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* É jornalista e avô de Saloniki (foto). Escreve regularmente neste blog.
* www.jesocarneiro.com
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